quarta-feira, 17 de março de 2010

Tô de bico

Em meio a piadas, reclamações e referências ao blog no pretérito imperfeito, como "ele estAVA muito legal", retomo o doce ofício de escrever sobre esse mundo mundo vasto mundo. Não sem um certo sentimento de culpa, admito. Mas convenhamos que 24 horas é muito pouco quando se tem que estudar para uma prova, ir às aulas, trabalhar, fazer compras de supermercado, cozinhar, planejar um mochilão, receber amigos, tirar dúvidas alheias, mudar-se duas vezes, fazer social com a família francesa e (por que não?) conhecer Paris e aproveitar a vida noturna! Não tem blog que resista.

Mas, vejam só, estou de volta e não por acaso! Hoje fiz a parte escrita do Dalf (Diplôme approfondi de langue française), o exame ao qual dediquei todos os dias que 2010 já conheceu até aqui. Foram 4 horas para fazer valer todo o aprendizado adquirido. Inevitável pensar no dia em que pus os pés em Dakar com mais dúvidas do que certezas. Vi que, aos poucos, a balança começou a pender para o outro lado, mas não sem alguns pequenos sustos. Lembrei do caos das ruas senegalesas, dos minutos em que achei que tinha perdido o passaporte na véspera de deixar a África (quase ninguém sabe disso), da família sovina e antipática que me hospedou nos primeiros dias em Paris e, talvez a maior preocupação, do vermelho na conta bancária!

Mas não só isso. Voltei a 2006, mais exatamente ao dia em que decidi me matricular na Aliança Francesa para começar do zero o aprendizado de uma nova língua. Quem já frequentou uma sala de curso de idiomas sabe do que estou falando. Isso dá trabalho pra caramba! E para uma pessoa como eu, avessa ao termo "longo prazo", ávida pelo imediato, a tarefa é ainda mais hercúlea e angustiante.

No meio do caminho, consegui muito mais do que simplesmente fazer bico e falar com a sílaba tônica no final da palavra. Ganhei uma namorada, um novo trabalho, algumas linhas a mais de currículo e muita cultura. Entendi melhor algumas coisas, expandi horizontes, me tornei francófilo e descobri uma nova maneira de enxergar o mundo. Perdi o medo de uma língua aparentemente impossível e de visitar Paris, onde, rezava a lenda, ninguém falava inglês e te tratavam mal se você assim procedesse.

O que então eu ainda procurava diante daquelas páginas cheias de perguntas e palavras esquisitas na manhã do grande dia? No momento em que devia estar pronto para dar respostas, eu me questionava. Por quê, se sabia que todo aquele percurso já havia valido a pena, já havia dado frutos? Eu ainda estava insatisfeito. E a razão ficou evidente antes mesmo de a caneta começar seu trabalho. Entre o dia em que cheguei para minha primeira aula de francês, quando conheci minha futura namorada (agora ex) e comecei a ganhar mais cultura, me preparar para um novo trabalho, compreender melhor o mundo, derrubar fronteiras e esvaziar o saco de medo, e o dia em que decidi fazer as malas para passar alguns meses longe de casa, houve um momento em que algo transformou o Rio e até mesmo o Brasil em lugares pequenos demais. E eu cismei que devia sair.

Era por isso que estava ali, com outras 60 pessoas, pronto para provar meu conhecimento. Não para dizer "papai, mamãe, fui para a Europa e aprendi alguma coisa", nem para colocar lá no currículo "francês avançado, Dalf C1" e impressionar um futuro chefe. Eu precisava daquele diploma para poder seguir meu rumo. Ele era como um visto para uma nova vida a 9162km de distância. O primeiro, não o último passo da viagem.

Virei a prova e comecei a ler as questões. Quatro horas depois, as páginas estavam todas preenchidas. A sensação de alívio veio acompanhada de um bom pressentimento. O passaporte será carimbado em breve.

terça-feira, 2 de março de 2010

O Carnaval de Paris

A prova de que eu realmente pretendia escrever esse post "em breve", como disse no início do mês, é a data em que comecei a fazê-lo e que está indicada acima do título: 2 de março. Tudo bem que já estamos quase na Quaresma, mas ainda assim vou falar do Carnaval de Paris. Ele foi celebrado no dia 14 de fevereiro, um domingo no qual a maioria de vocês certamente estava ébria no longínquo Brasil. Justo. A data coincidiu com o Ano Novo Chinês, e por isso a prefeitura parisiense decidiu juntar as duas comemorações.

Até as 14h, os orientais dominaram as ruas de Belleville com seus dragões, bandeiras, quimonos e apresentações típicas. Entre um bocejo e outro, encontrei uma bandinha animada tocando fanfarras do leste europeu. Alguns poucos também preferiram trocar o cortejo de ano novo pelas notas vindas do trio de sax, trompete e tuba. Que me desculpem os chineses, mas em Paris a democracia vigora! Mas se a banda russa estava mais legal, o desfile era mais plástico, logo mais fotografado.

Às 16h, a batucada brasileira começou a ecoar entre os prédios de elegante arquitetura parisiense. E aí sim começou a festa. As pessoas acordaram, as máquinas e celulares brilharam seus flashes e luzes vermelhas e até mesmo alguns quadris arriscaram um remelexo. As ruas estavam lotadas! Mas a temperatura rondava os 2°C e o vento não ajudava em nada. Nunca tinha visto um carnaval daqueles, com casacos e luvas. Cerveja? Difícil de encontrar, Paris não tem ambulantes. Será que eu estava começando a reconhecer a importância da informalidade brasileira?

De fato o desfile é tão organizado que chega a ser entediante em determinado momento. Ele seguiu de Belleville (20ème arrondissement) até o Hôtel de Ville (4ème arrondissement) com perfeição, sem atravessar ou produzir qualquer surpresa, quase como um desfile da Beija-Flor. Três horas ao ar livre em pleno inverno. Eram cerca de dez grupos de bateria, divididos entre pequenos blocos de... tá, vá lá, foliões. Mas é preciso admitir que tinha gente animada e, acreditem, fantasiada! Nem parecia Paris! Onde estavam aquelas pessoas sérias que empurravam umas as outras no metrô?! O carnaval realmente realiza milagres. Vi até algumas crianças com sacos de confete! Alegria imensa para um brasileiro expatriado! A felicidade está nas pequenas coisas.

Pessoas subindo em estátuas, tambores, roupas extravagantes, piadas cretinas, irreverência e até mesmo algo parecido com bonecos de Olinda. Estava tudo lá. Até o sol resolveu aparecer no fim para brincar. Mas a festa de Momo em Paris não dura mais do que uma tarde. Não dá nem para curtir um amor de carnaval desse jeito. A cidade mais romântica do planeta ainda tem muito a aprender com os brasileiros.














































segunda-feira, 1 de março de 2010

Um mês de França e nada...

Desculpem a demora, prometo que em breve postarei sobre Paris! Mas não esperem comentários sobre a Torre Eiffel ou o Quartier Latin, tentarei a difícil tarefa de retratar o lado menos clichê de uma cidade tão badalada. No primeiro capítulo, o carnaval de Paris!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A organizada confusão

No meu primeiro dia em Dakar, fiz um pequeno tour pelo centro acompanhado de Samba, meu braço-direito para os momentos difíceis. E convenhamos que passear pelas ruas mais movimentadas de uma capital africana de mais de 2 milhões de habitantes não é das tarefas mais fáceis quando todos sabem que você é um turista. Na época, escrevi as seguintes frases:

"A cidade é caótica, tem muita gente andando de um lado para o outro e todas as ruas parecem iguais. (...) Bastante assustador a princípio, não quero nem imaginar como seria estar sozinho no meio daquela confusão."

Três semanas depois, um pouco mais calejado, decidi que era hora de enfrentar esse desafio sozinho. Encarar não apenas o centro, mas os apinhados e barulhentos mercados de Dakar. Não poderia dizer que fui ao Senegal se não tivesse me jogado em uma dessas feiras onde se vende tudo o que se possa imaginar.

O comércio no Senegal, aliás, é uma atração à parte. Digamos simplesmente que o camelô é a regra e a loja é a exceção. E se você acha que os vendedores de sinal do Rio de Janeiro primam pela criatividade, precisa ir a Dakar para descobrir que as ruas são um verdadeiro supermercado a céu aberto. Basta pegar o carro, dar uma volta pelo centro e descer o vidro da janela. É a montanha indo aos seguidores de Maomé.

Na minha tarde de aventura pelo centro nervoso da capital senegalesa, anotei todos os produtos que vi serem vendidos pelos ambulantes:

cabides, tapetes, cartões de celular, sandálias, vassouras, bolsas, jornais, óculos, ternos, chapéus, toalhas, casacos, meias, secadores, pilhas, jogos de tabuleiro, lenços, cintos, ovos, lanternas, cachecóis, canetas, relógios, canecas, calças, colchões...

Colchões! Aí eu desisti de continuar escrevendo. Depois de ver um ambulante vendendo colchões, me dei conta de que a lista não acabaria nunca, que a criatividade dos locais era difícil demais de se acompanhar.

Mas nos mercados é diferente, é você quem corre atrás. E é preciso saber onde se vende aquilo que você procura, afinal cada mercado é especializado em uma determinada gama de produtos. Para ajudar quem quiser um dia fazer umas comprinhas em Dakar, deixo uma versão resumida do apanhado de um site senegalês:

1. O maior mercado: Sandanga
2. O mais turístico: Kermel
3. O mais típico: Mercado da estação de trem
4. O mais autêntico: Tilène
5. O mais psicodélico: HLM
6. O mais eclético: Mercado do porto
7. O mais exótico: Casamance
8. O mais simpático: Castors

E esses não são os únicos! Eu encarei o maior de todos, o Sandanga, e saí vivo. Mal fui importunado para falar a verdade, embora admita que não tivesse a intenção de comprar nada e assim procedi. Fui embora me perguntando por que eu tinha ficado tão assustado na primeira vez. Ali eu vi que não só eu fazia parte do caos, como o caos já fazia parte de mim.

As ruas do centro:




O mercado Sandanga:







Os dois únicos lugares em que comprei algo:




E para completar, um vídeo bem curto do caos urbano